Um rio nunca é o mesmo

Heráclito de Efeso dizia que ao nos banharmos em um rio, nunca mais retornamos ao mesmo. A água do riu flui e, com ela, tudo o que ela carrega. Percebo que isso acontece a cada viagem que faço, independente de sua duração. Quem fica e quem parte já mudam na despedida. Cada um irá ouvir uma nova música, terá conversas com pessoas diferentes, verá novas paisagens, se emocionará com uma criança, uma flor, uma poesia.

Já pensei que minha casa era o meu reino. Achei, em determinado momento, que havia construído meu ninho perene. Tentei acreditar que conseguiria construir um novo reino mas hoje é a música do Milton Nascimento que descreve melhor o que sinto: “Minha casa não é minha e nem é meu esse lugar”. Não sem alguma tristeza vou aprendendo que toda a relação de pertinência é absurdamente volátil. Meu lugar não me pertence tanto quanto não pertenço a meu lugar. Forço-me a esta conclusão também para apaziguar a dor da descoberta de não ter para onde voltar.

É certo que vou construir um novo ninho muito próximo da minha origem afetiva, da tal querência que tanto peala qualquer coração gaúcho. Devo gostar, mais uma vez, de querer ajeitá-lo, de instalar (eu mesmo) a fiação elétrica, pregar uns quadros, ajeitar um cantinho onde estarão as lembranças de infinitas viagens geográficas e pessoais. Provavelmente vou esticar um enorme fio de cobre que servirá de antena para rádios de galena que construirei para presentear os amigos e estudantes que estão incrivelmente atrasados com a entrega de seu projeto de ciências. Este ninho terá TV digital, internet com banda larga, jardim, horta e pomar. Um cachorro grande e sem raça definida adotará o quintal, guardará a casa e terá, como recompensa banho, comida e carinho. Os amigos se servirão de minha adega de vinhos e eu farei pão, queijo e, para o verão, cerveja. 

Devo ressuscitar meu cachimbo, a única peça que sobreviveu, sem maiores mudanças, do ninho primeiro. Ele servirá para lembrar-me no pôr-de-sol, à varanda, que tudo mesmo desmancha-se no ar, menos as lembranças.

Sozinho ou não, serei feliz. Mas o ninho terá as portas abertas para todos os que amo e que ainda virei a amar. Não será o mesmo ninho que foi, em outro dia, em outro lugar, pois ao lado dele o rio sempre vai trazer a lembrança de que, ele mesmo, não é o mesmo a cada mirada.



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