Se eu fosse a Microsoft

Passado o sétimo Fórum Internacional de Software Livre e toda a repercussão gerada pelo convite do Infomedia TV à Microsoft para que estivesse no evento debatendo com outras pessoas envolvidas com software livre, acabei recebendo uma série de perguntas sobre minha consciência ou não do que estava acontecendo na Europa, as declarações do Andrew Tridgell, as licenças abertas ou não da Microsoft e o porque, se eles querem mesmo se aproximar da comunidade, não colocam o fonte do Windows sob a GPL?

Se eu fosse a Microsoft, eu abria tudo mesmo sob a GPL ou alguma outra licença compatível, abria mão das patentes que tem (muito menos que as da IBM, por exemplo) e minha percepção é de que os negócios da empresa não seriam afetados. Mas esta é a minha percepção. Não posso querer que analistas de negócio da empresa concordem comigo. Agora, a questão é, para quem não está na Microsoft mas está oferecendo serviços e soluções no mercado onde a Microsoft também está presente -- muito presente -- que grande diferença esta abertura ampla, geral e irrestrita faria? Minha percepção é de que muito pouca, afora uma euforia momentânea, de curtíssima duração.

Toda a empresa que se preze trabalha com orçamentos. Mesmo uma grande empresa como a Microsoft tem que fazer seus investimentos de forma planejada. É assim que eles podem sobreviver a eventuais erros e investir em produtos conceituais onde não têm nenhum lucro agora. Independente do tamanho, a RedHat e a Solis fazem a mesma coisa, mesmo trabalhando cada uma com modelos de negócios distintos. A possibilidade de lançamento de um Windows e um Office sob uma GPL-Like dispenderia, no mínimo, uns bons milhões de dólares em uma campanha mundial explicando aos clientes da Microsoft a razão pela qual a empresa estaria fazendo isto. Ou alguém aqui acha que todos os clientes para os quais vendemos têm plena ciência do que é uma licença de software? Eles nem têm que se preocupar muito com isto mesmo! O que eles querem são sistemas que atendam suas necessidades de negócio, aumentem a produtividade de seu pessoal, os tornem mais competitivos, por um preço que considerem justo. Se o negócio funcionar, não importa qual o sistema operacional, ou a licença do produto. Para a grande maioria dos clientes, estas coisas são secundárias. Então, que sentido faz direcionar o orçamento para uma campanha que leve o Windows e o Office para uma licença GPL? Além do mais, uma coisa que já disse e repito: licenças são importantes, dão as linhas gerais sobre a forma como um software é utilizado, mas o que vale mesmo, no fim das contas, é o contrato que vai ser estabelecido entre duas partes -- fornecedor e cliente -- com o estabelecimento de garantias e penalidades no caso de falhas. Tipicamente, licenças não oferecem garantias para o caso do software causar algum dano ao negócio do cliente. Tipicamente, empresas que têm seus negócios críticos controlados por softwares possuem contratos com empresas que lhes dão estas garantias. Acho que em poucos anos, entre cinco e dez, no máximo, licenças não existirão ou não farão nenhum sentido.

Mas vamos também à questão do Samba. Andrew Tridgell reclama em nome da equipe de desenvolvimento do Samba que a Microsoft não dá lá muita bola para eles. Ainda há a necessidade de engenharia reversa e problemas de integração com o Active Directory. Ora, usamos o Samba quando temos que conviver com um legado que são os desktops Microsoft. Se ficar preso a uma plataforma for um problema real para um cliente, que se migre para o OpenLdap. Se eu fosse a Microsoft eu estaria mais preocupado em investir em reais questões de interoperabilidade entre múltiplas plataformas para a oferta de meus produtos do que em gastar tempo -- e dinheiro -- para permitir que meu legado seja substituído. Por outro lado, isto aconteceria mesmo? Não acredito que em larga escala uma integração maior com o Samba afetaria a perda de clientes para a Microsoft... Mas também vejo que, pensando pelo lado da empresa, não faz o menor sentido em pagar para ver. Por outro lado, a empresa acredita em outras formas de integração mais modernas, que vão tomar conta das implantações de TI daqui para a frente, como o uso de web services. Acredita não porque é algo que tenha vindo de dentro da Microsoft, mas porque é algo que o mercado está exigindo. Web services é um assunto quente no ambiente de software livre também e aqueles que têm um olho no futuro estão mais preocupados na manutenção e evolução dos padrões envolvendo web services do que nos problemas de compatibilização do Samba com o Active Directory, por exemplo.

Dito desta forma, corro o risco de me perguntarem se estou partindo em defesa da Microsoft. Mais uma vez, a resposta é não, por uma questão pura e simples: sei quem eu sou e sei quem a Microsoft é. Definitivamente, a Microsoft não precisa mim para defendê-la. Uso o GNU/Linux em meu computador, sem dual-boot. Recentemente cedi ao Skype e ao MSN porque é a forma como pessoas com as quais precisam falar comigo conhecem. Sou a favor da GPL, da discussão sobre a nova versão e busco participar dela. Mas também acho que enquanto a Free Software Foundation e outras instituições e pessoas lutam contra o DRM, o mesmo é um fato consumado com o qual temos que conviver até que o mesmo deixe de existir, ou não. Assim, não me admira que distribuições Linux venham a incorporar a tecnologia DRM para que seus usuários possam ouvir música, assistir filmes e brincar com jogos protegidos desta forma.

Agora, tem uma coisa que eu acho o cúmulo na tecnologia da Microsoft que é o ActiveX, uma forma artificial e a meu ver nada elegante de se prender usuários a seu browser e aí a seu sistema operacional, algo que acabou atestando contra o próprio Internet Explorer e deixou uma bela de uma brecha para o avanço do software livre no Windows, especialmente com o Firefox. Acho que logo o único portal que irá requerer o ActiveX será o do Windows Update, mas até lá, a Microsoft também terá se dado conta disto e deixado de lado esta tecnologia. Mas até lá, cada vez mais aplicações serão "live" e o Windows Update não será mais necessário também. Minha bola de cristal (tenho duas, uma é reserva) mostra que num futuro não muito distante a Microsoft será uma empresa de "aluguel de facilidades", num modelo de negócios parecido com a Net ou a DirecTV. As pessoas poderão usar seu Office de forma remota, armazenando com segurança e privacidade seus documentos. Claro que não só ela, mas também o Google e outras não tão grandes que estão indo neste mesmo sentido. Tecnologias livres e também proprietárias estarão disponíveis para a oferta destes serviços e ainda muito pouca gente "normal" saberá ou se importará em distingüí-las.

A tendência da Microsoft para uma abertura de seus códigos, independente da forma e quantidade, agrada meu pensamento técnico. Menos necessidade de engenharia reversa, maior rapidez na construção de aplicações interoperáveis. Boa parte dos desenvolvedores com que tenho falado concordam com isto. Quem pode ficar triste são aqueles que, sem ter mais motivos para falar mal de uma empresa como a Microsoft, vão ficar sem ter mais nada o que fazer.

Texto publicado originalmente no Br-Linux.



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