Propriedade

Tenho uma serra tico-tico. Usei-a uma vez logo após tê-la ganho como presente de dia dos pais. Eu precisava abrir uma fenda em uma estante lá em casa para poder acomodar os formulários de papel para a impressora matricial logo abaixo dela, otimizando a ocupação de espaços. Hoje, pensando melhor, eu não entendo como já alugávamos apartamentos, automóveis e fitas de vídeo e ninguém alugava serras tico-tico. Recentemente, quase vinte anos depois (ou mais) precisei novamente da serra para abrir um vão de escoamento no tanque aqui do escritório de maneira que o Zug, nosso mascote, não usasse aquele espaço como um reservatório de mijo. A serra não funcionou, foi para o lixo. O mascote e seu reservatório sobrevivem.

Ao longo de minha vida possuí muitas destas coisas absolutamente úteis em pouquíssimas ocasiões. Tenho um fetiche por lanternas e ferros de solda. Cheguei a ter três multímetros analógicos e um digital ao mesmo tempo. Minhas chaves allen e bristol enferrujam lindamente até o momento de sua limpeza anual, quando as retiro de minha caixa metálica verde onde também estão duas bombas de ar para bolas e outra para pneus de bicicleta. Aliás, ao ver as bombas, acordo também a bicicleta para sua visita anual ao bicicleteiro da esquina e para os dois ou três passeios que são parte da promessa, invariavelmente quebrada, de que neste ano eu vou me puxar!

A gente exercita essa coisa do querer e ter de uma maneira meio besta, infantil até. Há duas semanas participei de uma aula de Design de meu irmão, o Rodrigo Brod e mais uma vez perguntei para os participantes a partir de qual momento é justo fecharmos o conhecimento. Usei o exemplo de sempre: Báskara, Pitágoras, Newton, Euclides, todo um povo descobre coisas importantes e conta pra todo mundo. Tudo é conhecimento público. Aí vem um Zé Mané que escreve um programa de computador, usa as descobertas de todo mundo que veio antes dele, e diz que, a partir de agora, o que criou, é propriedade intelectual, tem patente, direito autoral e o escambau a quatro.

Interessantemente, enquanto eu escrevia esse artigo, meu irmão envia-me o link sobre o lançamento do livro Open Design Now, que aborda as mesmas questões que comecei a discutir aqui. Mas, só pra levar a conversa adiante, o papo todo começou quando a gente discutia o sucesso e o "design" do Facebook, aquela coisa azul, feia e antiguinha que pegou. Pegou porque incentiva a interação, a troca de informações. O "design" deixa de ser a beleza, o jeitão, mas aquilo que a ferramenta possibilita de interação.

Falando nisso, quais livros você tem na sua casa que ainda vai ler? Quais os que já leu? Quais deles você não encontraria em uma biblioteca? Quais deles seus filhos não encontrariam em uma biblioteca? Quanto mais gente leria esses livros se eles não estivessem em sua casa, mas em uma biblioteca? Um livro pode ter ainda mais serventia que uma serra tico-tico, mas de nada vai servir parado aí na sua prateleira.

Publicado originalmente no Dicas-L.



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