Malbec, de Mendoza

Malbec, de Mendoza, Argentina. Indo para a Bolívia, sentado ao corredor, mais adivinho do que vejo o que a janela do avião mal me oferece. A floresta amazônica abaixo não cabe em um retângulo tão pequeno. Sentado ao corredor, fico mais próximo do próximo Malbec mendocino e de uma caminhada para aliviar o tédio -- mais uma possibilidade do que algo que eu realmente faça. Peço mais uma taça. Saudade: não lido bem com ela. A sinto forte e antecipadamente. Achava antes que era ansiedade. Nunca foi. Sempre foi saudade.

Estranho como lido com a cuja. Dá-me o devido tempo que dela fujo. Sei que me espreita, mas fujo. Mais da saudade que da morte. Evito vozes familiares, contato, fotos. Engano-a na fuga para matá-la de vez a cada retorno meu, nos quais minha ausência é cobrada. Ausência sem telefonemas, sem dar notícias.

A saudade venceu-me quando nos mudamos todos para o ciber-espaço. Não há como fugir dela com tantas formas de quase-contato. E-Mails, ICQs, Orkuts, Skypes, Flogs me impõem a presença noosférica, enquanto a saudade que sinto só pode ser morta com o contato físico, o toque de corpo inteiro de um abraço, com um beijo (gentileza pela qual o amor nos permite aceitar, dentro de nossa boca, outro alguém).

Sem ter, ao menos por enquanto, como lutar, aceito a crescente saudade se impondo. Planejo, assim, viagens cada vez mais curtas. Evito a presença virtual que só é pra atiçar vontade de presença real.

Ainda ando antigo no novo mundo virtual. O paradoxo com o qual ainda não lido bem é o de conhecer sempre mais gente com quem não conviverei fisicamente. Gente com quem encontros serão sempre efêmeros, eventuais, se é que um dia reais. A saudade encontrou no ciber-espaço seu território de vitória. Azar o dela! Por mais forte que possa estar, será sempre morta pelo prazer de cada encontro real.



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