IWEEE.ORG #3

Moses Isyagi, ou melhor, Doutor Moses, é uma figura. Nasceu em Ruanda, mas trabalha em Uganda. Em Uganda há um patologista para cada milhão e meio de habitantes. Em Ruanda há um para cada cinco milhões. Esta é uma das razões pelas quais Moses quer voltar para Ruanda.

Conheci Moses ainda antes de começar o evento. Eu, ele e o Corinto dividimos o táxi até o hospital público Dr. Negrin. Mais sério que guri cagado, o Moses já mostrava uma visão e conhecimento do mundo do tipo que a gente logo sente que se está com alguém com quem se aprende muito. Bajo de las alas de los Falcones, por supuesto, se dio algo magico. Todos os palestrantes ficamos amigos muito cedo e a timidez do Moses desapareceu.

No final do segundo dia do evento, por alguma razão, Moses estava indo para o ponto de táxi pulando em uma só perna. Alertei-o que, quando vier ao Brasil, pode fazer o mesmo, mas que não estranhe se ouvir alguém chamando-o de Saci Pererê. Contei pra ele a história do Saci, o Corinto lembrou das histórias dos redemoinhos de vento que prendem o Saci e concluímos que essa coisa de redemoinhos e seres elementais devem ter suas origens na mãe África. O Saci da perna só também nos fez lembrar de Angola, onde a falta de uma perna ou qualquer outro membro não tem nada a ver com redemoinhos ou simpáticos seres elementais.

Muita gente morre na região africana abaixo do Saara. Pelas razões mais bestas porque diagnósticos não são feitos em tempo hábil. Amostras de linfonodos são enviadas do interior para cidades maiores por correio terrestre e, em boa parte das vezes, o resultado chega quando o paciente não pode mais desfrutar dele.

Mas, mesmo que não seja a melhor coisa do mundo, boa parte da África está coberta por celulares ou linhas telefônicas convencionais, que permitem um acesso de baixa velocidade à Internet. Moses e sua equipe bolaram um sistema envolvendo webcams, microscópios e computadores de baixo custo para transmitir a imagem da fatia de um linfonodo a um patologista que pode diagnosticar, ao menos, as doenças mais comuns. A câmera, em conjunto com o microscópio, gera imagens de 72 dps, o suficiente para a grande maioria dos casos. Mesmo em seu projeto-piloto, Moses já está salvando vidas. O computador, o microscópio e a webcam saem, todos, por pouco menos de dois mil dólares, já considerando os impostos em Uganda. Os técnicos dos laboratórios são treinados com o uso de fatias de banana ao invés de fatias de linfonodos. A continuidade de financiamento para o projeto é incerta.

No dia antes de nos despedirmos, Moses cismou de molhar os pés na água do mar de las Palmas. Por um momento pensei que ele iria dividir as águas e convidar-nos, todos, a caminhar até a África. Acho que eu nem me surpreenderia. Seria só mais um milagre do meu amigo.

A palestra de Moses e a de vários outros congressistas do IWEEE estão reunidas aqui.

Artigo publicado no Dicas-L



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