GPL, DRM e outras sopas de letrinhas

Quem está envolvido com software livre já passou por algumas boas conversas e discussões sobre a questão de licenças de software. Para quem só quer usar, este papo é tão cabeludo e complicado que até assusta. Para empresas, às vezes assusta tanto que elas chegam a duvidar se devem usar um tipo ou outro de software em função da complexidade das licenças envolvidas. Para quem desenvolve, este não é definitivamente um assunto resolvido. Vários projetos em software livre usam licenças variadas. Mesmo dentre os mais populares, cada um tem uma licença: o apache, o Firefox, o Python. Claro que isto também ocorre no mundo do software proprietário, onde cada empresa tem seu conjunto de licenças. Agora, dentre todos nós aqui, quantos se deram ao luxo de ler e interpretar as licenças de cada um dos programas que usamos em nosso computador? Observando de uma forma totalmente pragmática e sem fazer nenhum pré-julgamento, afirmo que licenças de software em pouco ou nada influenciam a utilização de um software.

Dito isto, não quero dizer que a discussão sobre licenças não seja importante. Tenho procurado participar, ainda que não tenha conseguido fazer isto com muita freqüência, das discussões que envolvem a nova versão da GPL. As ferramentas desenvolvidas pela Solis, cooperativa da qual participo como consultor estratégico, estão todas sob a licença Creative Commons GNU GPL. Depois de muitas conversas e de descobrir que a licença GPL da Creative Commons não é compatível com a licença GPL original, criada pela Free Software Foundation, resolvi desencanar um pouco deste assunto. Durante um almoço com o pessoal da 4Linux o Felipe Augusto van de Wiel foi quem me deu a luz de que “o que vale é a intenção” de tornarmos o software que produzimos livre e aberto. Claro que a conversa foi longa e usei de uma licença quase que poética para resumí-la de forma tão simplista. Escrevi um pouco mais sobre isto em um artigo para o Br-Linux.

No fim das contas, as perguntas que me faço são as seguintes:

1. A discussão sobre licenças serve para educar o público em geral sobre as diferenças entre software livre e proprietário, ou serve mais para confundí-lo?
2. Numa relação entre empresas, é mais importante o que está estabelecido entre o fornecedor e seu cliente, entre parceiros, ou o que está no texto das licenças?
3. As licenças conseguem efetivamente traduzir o que é a “liberdade”, ou existem liberdades diversas conforme a interpretação individual?

Consigo discutir comigo mesmo cada uma destas questões, sem chegar a um acordo. Já vi que quanto mais pessoas são colocadas na discussão, mais difícil ainda de existir uma convergência. O que já vi acontecer em discussões com grupos maiores é que elas facilmente descambam para grupos menores com opiniões que não convergem. Discussões sem convergência se tornam eternas.

Há ainda a questão do quanto abrimos mão de pequenas liberdades em troca de conforto, ou mesmo de liberdades maiores. Eu uso o Skype em meu Slackware Linux. Não posso ter acesso ao código-fonte do Skype, não sei o que está acontecendo além da comunicação com a minha família quando estou longe. Não me sinto inseguro ou violado por causa disto. Sei que existem alternativas, mas o Skype tem um número de usuários tão grande que quero ter a liberdade de falar com eles. De repente, esta é uma situação em que abro mão de uma falta de liberdade que considero pequena para ter uma outra liberdade, ou um conforto. É uma escolha pessoal. Acima de tudo, defino a minha liberdade como a minha capacidade de fazer escolhas conscientes, sem nenhum patrulhamento.

Sou contra qualquer tipo de censura no acesso ao conhecimento e à troca de informações, independente da forma como isto ocorre. Assim, sou contra as patentes de software e contra o DRM, Digital Rights Management, um conjunto de tecnologias e métodos empregados para restringir o acesso e a cópia de materiais como música, filmes, etc. Por outro lado, se para eu ouvir o CD de um artista que eu gosto eu preciso aceitar o DRM em uma situação isolada, vou fazê-lo. É mais uma questão de troca, de negociação. Por outro lado, muitos artistas dos quais eu gosto publicam seus trabalhos de forma irrestrita na Internet. Convido-os a conhecerem o trabalho do fantástico Gerador Zero.

Acredito também que, com o acesso à informação da forma que temos hoje, as restrições desaparecerão. Com mais informações, as pessoas ficam mais críticas e exigentes. A medida das contribuições para o avanço da ciência e da cultura vai ficar cada vez mais impraticável. O contato cada vez mais direto que os artistas têm com seus públicos irá permitir novas formas de sustento que independerão de grandes distribuidores e mecanismos de proteção de cópia. Para muitos artistas, hoje mesmo, já faz muito mais sentido que sua obra seja amplamente divulgada e que, com esta divulgação, consigam contratos para shows e uma boa remuneração. A popularidade dos artistas poderá se dar mais pela boa e velha propaganda boca-a-boca do que através de um massivo marketing de grandes empresas, dando espaço para uma boa dose de cultura alternativa. Só posso imaginar o quanto isto influenciará a qualidade da produção cultural...

Artigo produzido para o Dicas-L



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