Conhecimento, Liberdade e a Formação do Ser Humano

Era uma vez um rapaz que havia aprendido em sua infância e adolescência, com muito esforço e superação, uma série de ofícios. Ao chegar a sua vida adulta percebeu que muitos jovens estavam à margem da sociedade justamente por não terem acesso a um conhecimento que concentrava-se nas mãos de poucos que criaram uma indústria crescente e poderosa. Ao invés de usar o seu conhecimento e aproveitar as oportunidades que o mercado poderia lhe oferecer, preferiu ir ao encontro daqueles que não tiveram as mesmas oportunidades e dividir com eles tudo o que sabia, na crença de que a liberdade no acesso ao conhecimento poderia criar uma sociedade mais fraterna, solidária e justa.

No contexto tecnológico atual, esta história poderia ser confundida facilmente com a de Richard Stallman e outros que, mesmo vendo o conhecimento artificialmente mantido nas mãos de monopólios através de mecanismos artificiais como patentes de software, optaram por apontar que só o livre acesso do ser humano ao conhecimento é o que permite a criação de uma sociedade igualitária e justa. Só que a pessoa da qual estamos falando é Giovanni Melchior Bosco, italiano que viveu entre 1815 e 1888. A indústria crescente de sua época foi a que teve origem na revolução industrial que acabou tirando uma grande massa de jovens dos campos e os jogou sem preparo nas grandes cidades atrás de melhores oportunidades de vida.

Dom Bosco, como Giovanni é melhor conhecido nos dias de hoje, começou ensinando a um grupo de jovens o que sabia: ofícios de alfaiate, encadernação, marcenaria, tipografia e mecânica, que ele mesmo havia aprendido no seminário de Chieri, antes de ser ordenado sacerdote em 1841. Ao invés de, porém, abrir uma escola e esperar que as pessoas viessem atrás do conhecimento, ele mesmo ia ao encontro dos que poderiam ser seus alunos nas ruas, bares e em seus locais de trabalho. Esta idéia-semente que começou com um trabalho de educação de 80 jovens é hoje uma obra educacional que congrega mais de 100 instituições de ensino superior em 18 países, sem contar milhares de escolas de ensino médio, projetos de comunicação social, emissoras de rádio e televisão e obras assistenciais. Apenas no Brasil, onde a primeira instituição salesiana (ordem religiosa à qual Dom Bosco pertencia, nomeada em homenagem a São Francisco de Sales) foi fundada em 1883 em Niterói, no Rio de Janeiro, já são mais de 90.000 alunos e 250.000 crianças e jovens atendidos pela Rede Salesiana Brasileira, formada por dez instituições de ensino superior, mais de 100 instituições de ensino médio e fundamental e quase 200 obras sociais.

Dentre os princípios seguidos pela obra educacional salesiana destaco os seguintes, dentre outros também importantes:

  • Desenvolver sua atividade educativa, olhando o educando numa visão de globalidade interagindo nos seus aspectos bio-psico-sociais;
  • Incentivar o jovem para a construção de uma sociedade mais fraterna, solidária e justa;
  • Ser uma escola formadora de lideranças;
  • Desenvolver o trabalho educativo fundamentado no associacionismo;

E em especial:

  • Considerar a liberdade como valor central da atividade educativa, sem descuidar dos limites necessários para uma convivência harmoniosa entre as pessoas.

Parece que Dom Bosco já adivinhou ou anteviu a filosofia do software livre, mas a verdade é que os princípios de liberdade são os mesmos que devem nortear qualquer progresso que leve em conta (e todo o progresso deveria sempre levar) o crescimento e o crescimento integral dos seres humanos.

Tomei maior conhecimento dos princípios da Rede Salesiana e sua história motivado pela curiosidade que despertou em mim a partir de um grato convite para falar justamente sobre software livre na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e das agradáveis conversas que tive com o reitor da instituição, P. Marcos Sandrini, e com o seu assessor, Mateus Mueller. A informação que usei neste texto está disponível na sua totalidade em pesquisas no Google sobre Dom Bosco e os Salesianos. Ainda fui adiante e aí confesso que já não fiquei mais tão surpreso com o resultado de minha pesquisa: das 20 instituições salesianas apontadas em primeiro lugar pelo Google, sete delas já utilizam softwares livres em seus servidores. Destas, pude verificar que ao menos cinco utilizam a linguagem PHP em seus portais web e ao menos uma delas automatizou sua biblioteca também usando a mesma linguagem. Era de se esperar! Afinal, estamos falando dos mesmos princípios de liberdade para o conhecimento com o qual toda instituição de ensino que se preze deveria se preocupar.



Design: Dobro Comunicação. Desenvolvimento: Brod Tecnologia. Powered by Drupal